ATA DA DÉCIMA NONA SESSÃO SOLENE DA SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 23.08.1994.

 


Aos vinte e três dias do mês de agosto do ano de mil novecentos e noventa e quatro reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezesseis horas e trinta e nove minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada a registrar a passagem do quadragésimo aniversário da morte do ex-Presidente Getúlio Vargas, conforme Requerimento nº 244/93 (Processo nº 2201/93), do Vereador Jocelin Azambuja. Compuseram a MESA: Vereador Airto Ferronato, 1º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, no exercício da Presidência, Jornalista Firmino Cardoso, representante da Associação Riograndense de Imprensa, Senhora Núncia Constantino, Professora e Historiadora, Vereador Jocelin Azambuja, na ocasião, Secretário “ad hoc”. Após, o Senhor Presidente convidou a todos para, de pé, ouvirem a execução do Hino Nacional e, em continuidade, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Jocelin Azambuja, em nome das bancadas do PTB, PMDB, PC do B, PP e PSDB, falou da importância da reflexão, neste momento, sobre o significado da figura de Getúlio Vargas para a história do nosso País, declarando ter sido ele um homem de posições corajosas e inquestionavelmente um dos maiores líderes brasileiros. O Vereador Lauro Hagemann, em nome das Bancadas do PPS e PT, lembrou da comoção social observada no Brasil quando da morte de Getúlio Vargas, analisando, em especial, posições assumidas por esse político no referente à situação do trabalhador e à soberania nacional. O Vereador João Dib, pelas Bancadas do PPR e PFL, destacou o amor que Getúlio possuía pelo seu País, declarando que sua preocupação maior sempre foi o bem comum, sendo exemplo a ser seguido por todo o povo brasileiro. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Jornalista Firmino Cardoso e à Historiadora Núncia Constantino, que discorreram sobre a vida de Getúlio Vargas, destacando os reflexos de sua atuação para a construção da história política brasileira. Em prosseguimento, o Senhor Presidente convidou a todos para o Ato a ser realizado amanhã, às nove horas, na Praça da Alfândega, relativo a passagem do aniversário da morte de Getúlio Vargas. Ainda, agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezessete horas e cinqüenta e cinco minutos, convidando os Senhores Vereadores para a Sessão Solene a ser realizada às dezenove horas. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Airto Ferronato e secretariados pelo Vereador Jocelin Azambuja, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Jocelin Azambuja, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.

 

 


(Obs.: A Ata digitada nos Anais é cópia do documento original.)

 

 


O SR. PRESIDENTE (Airto Ferronato): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene destinada a homenagear a passagem do 40º aniversário de morte do ex-Presidente Getúlio Vargas. De início nós convidamos para compor a Mesa a Exma. Sra. Historiadora Profa. Núncia Constantino e convidamos também o Exmo. Sr. Firmino Cardoso, jornalista representante da ARI.

Esta Sessão Solene tem por iniciativa o Requerimento do Ver. Jocelin Azambuja, aprovado pela Câmara Municipal de Porto Alegre, e para nós é motivo de satisfação presidirmos esta Sessão que registra a morte do nosso ex-Presidente Getúlio Vargas, até pela expressão do nosso homenageado.

Convidamos a todos para que, em pé, ouçamos o Hino Nacional.

 

(É executado o Hino Nacional.)

 

O Sr. Jocelin Azambuja está com a palavra em nome das Bancadas do PTB, PMDB, PC do B, PP e PSDB.

 

O SR. JOCELIN AZAMBUJA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os demais componentes da Mesa.) Nós entendemos que era importante refletir um pouco sobre o trabalho, sobre a obra, sobre o que representou Getúlio Vargas para todos nós, independente de sermos do Partido Trabalhista Brasileiro, mas, como cidadãos de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, do nosso querido Brasil, refletir sobre o que representou a figura de Getúlio Vargas para toda a nossa sociedade, para todos os movimentos sociais, políticos. É importante que se faça esta reflexão porque, como dizia até em momento anterior, há uma tendência natural da sociedade em esquecer o seu passado, os seus homens. Há pouco, quando o Prof. Sampaio se manifestava na justa homenagem que esta Casa lhe prestou, quantas coisas importantes ele abordou, fazendo com que refletíssemos sobre a vida de nossa Cidade, sobre os trabalhos desenvolvidos na preservação da cultura de nossa Cidade. Enfim, coisas que dizem tanto para nós e que, muitas vezes, até pela rotina de nossa vida, passam-nos despercebidas. Assim é, também, a figura de Getúlio Vargas: o quanto representa para a sociedade brasileira sua ação durante esses anos todos.

Eu estava rememorando alguns aspectos - depois a Profa. Núncia fará uma análise melhor, até por sua condição de historiadora - dos momentos da vida de Getúlio Vargas. Em 1898, Getúlio Vargas ingressou na carreira militar, seguindo o exemplo de seu pai, Manoel do Nascimento Vargas. Depois, segue para o Rio Pardo, freqüentando a Escola Militar. Em 1902, cadete em Rio Pardo, é rebaixado a soldado por sua participação em um movimento de alunos e, no ano seguinte, desiste da carreira militar e ingressa na Faculdade de Direito em Porto Alegre. Ou seja: já em sua vida de estudante, ele apresentava características de líder, assumindo suas posições de maneira forte, lutando por aquilo que acreditava. Isso ele já revelava em seu caráter nos primeiros anos de sua mocidade. Em 1908, ele já assume uma das promotorias de Justiça de Porto Alegre por alguns meses. Em 1909, já se elege Deputado Estadual e passa a advogar em São Borja, reelegendo-se para o cargo em eleições posteriores. Em 1922, Presidente do Estado; em 1923, assume como Deputado Federal; em 1926, Ministro da Fazendo do Governo Washington Luís; em 1927, eleito Presidente do Estado do Rio Grande do Sul em eleição que não teve candidato de oposição; em 1929, candidato a Presidência da República; em 3 de novembro de 1930, assume o poder. Então, vejam que a passagem de Getúlio Vargas, se formos observando os anos, aconteceu em curto espaço de tempo em que ele ocupou cargos tão importantes na vida do nosso País. Realmente, ele era um líder nato e desenvolvia essa liderança de forma rápida. Foi isso que fez com que ficasse marcado na vida do povo brasileiro como um líder natural, forte, carismático, com a sua dedicação, com o seu trabalho e sua equipe. Há poucos dias homenageamos a figura do Oswaldo Aranha, que foi um dos grandes braços direitos de Getúlio Vargas, atuando sempre ao seu lado.

Getúlio Vargas teve uma atuação extremamente marcante para a sociedade brasileira no campo social pelas conquistas na ordem jurídica, pela Consolidação das Leis do Trabalho, pelo voto da mulher, pela organização da Previdência Social. Enfim, as obras de Getúlio são inúmeras e marcam, até hoje, essa relação de carinho que o povo brasileiro tem com a figura de Getúlio Vargas. Neste momento, é importante que saibamos preservar aquilo que ele nos deixou como essência principal: a luta pelo trabalhismo, pelos mais pobres. Ele nos demonstrou isso não só com discursos, mas com atos, com a prática da administração pública ao longo de sua vida. Isso faz com que todos os grupos políticos, independente das posições ideológicas, saibam respeitar esse momento da vida brasileira, com a figura de Getúlio Vargas buscando fazer com que o povo brasileiro crescesse e a Nação brasileira se desenvolvesse. Foi um momento na vida brasileira em que se tem de mais positivo a ascensão dos mais necessitados e o crescimento econômico dessa população através do salário mínimo, com uma condição de trabalho que se desenvolvia. Se compararmos aquele período da vida brasileira com os dias de hoje, veremos gritantes diferenças que fazem com que a sociedade clame, permanentemente, por novas e melhores condições de vida e por uma evolução que está a desejar o povo brasileiro: que este País possa avançar e crescer.

Temos, na figura de Getúlio Vargas, um exemplo que pode ajudar muitos futuros governos deste País a refletirem sobre aonde devem investir, aonde devem fazer com que as coisas aconteçam neste País. Que um dia nosso povo possa ter a alegria de dizer que vivemos no Brasil, sem dependências externas, sem esse domínio, sem essa imagem de colônia. Na verdade, ainda continuamos a ser uma colônia cultural e econômica dos países desenvolvidos, em especial dos Estados Unidos da América. Nós nos pautamos só pelas suas decisões, pois ainda não temos voz própria, não temos condições de vida própria para poder declarar a nossa independência. A nossa independência ainda não foi dada. Quem sabe um dia saberemos dar essa independência, mas vai ser, evidentemente, através de um processo forte de conscientização, de educação do nosso povo, em que poderemos assumir a condição de cidadãos brasileiros e fazer, quem sabe, aquilo que Vargas idealizou na sua trajetória. No curto espaço de tempo em que ele esteve na condição de administrador deste País, Vargas demonstrou o que ele realmente queria para o avanço deste País. Temos obrigação de seguir e fazer com que um dia este País seja um grande país não só apenas na dimensão geográfica, mas que seja um país pela realização do seu povo, com vida digna e justa para cada cidadão. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: O Ver. Lauro Hagemann está com a palavra em nome das Bancadas do PPS e PT.

 

O SR. LAURO HAGEMANN: Prezado Ver. Airto Ferronato, que preside esta Sessão; prezada Historiadora Profa. Núncia Constantino, e prezado companheiro Jornalista Firmino Cardoso, representando a ARI. Srs. Convidados, Srs. Vereadores, amanhã, 24 de agosto, fará quarenta anos do suicídio de Getúlio Vargas. Todos os anos, nesta data, eu me lembro com muita clareza dos breves dias que antecederam esse acontecimento e do que aconteceu no dia 24 de agosto e subseqüentes e me dou conta de que assisti a um dos episódios mais retumbantes da história deste País, uma comoção social, como não se tinha visto, em razão da grandiosidade do personagem que cometera aquele ato e de tudo o que havia por trás daqueles acontecimentos. Ainda agora, recentemente, com o aparecimento do livro do Fernando Moraes sobre a vida do Chateaubriand, eu estou tomando conhecimento de detalhes de algumas histórias que envolveram naturalmente a figura de Getúlio Vargas. Anteriormente, já havia lido o livro de Samuel Weiner, sua história, o livro da Alzirinha, o livro do Secretário particular, o Vergara, Secretário particular de Getúlio, e de vários personagens que estiveram próximos da figura de Getúlio Vargas e cada vez me convenço que só passando muito tempo é que nós vamos ter uma imagem nítida do que foi Getúlio Vargas, porque assim, em um exame inicial, se pode dividir a atuação de Getúlio em duas partes muito distintas: o período de 30 a 50, e depois da eleição, de 50 em diante, que foram períodos muito diferentes um do outro. No primeiro período, a emergência de um missioneiro, com toda a sua vontade férrea de mudar a figura e as coisas deste País; e no outro, um cidadão já amadurecido, vendo que as coisas tinham mudado, que não era como pensava, já caminhando por uma outra trilha, mas sempre perseguindo o bem coletivo do País, que era o dele, e não querendo se submeter a ditames estranhos, principalmente na segunda fase. Na primeira fase nós podemos vislumbrar algumas tendências de “preferencialidade”, até pelo sistema europeu que começava a se fazer notar no mundo, mas que depois foi abandonado e percorrido pelo outro lado.

Mas isso são coisas que nós vamos ter de pesquisar muito e deixar a página do tempo agir sobre esse episódio. O que não se pode negar é que a figura de Getúlio Vargas ocupou um largo espectro da vida brasileira deste século. Muitos de nós somos filhos da era getulista, e não podemos nos despir dessa condição. Fomos inoculados com o vírus getuliano.

Há entidades, há pessoas, que não gostam da figura de Getúlio Vargas; há outros que o endeusam, mas, entre essa dicotomia, a verdade ainda não foi assentada e vai levar muito tempo até que o seja.

Nessa breve saudação, eu não poderia deixar de estar presente. O meu partido, o PPS, que é o sucessor do PCB, teve uma longa convivência com Getúlio Vargas, uma tortuosa e difícil convivência.

Luís Carlos Prestes, que foi o homem símbolo do comunismo brasileiro, sofreu muito nas mãos de Getúlio Vargas, por efeito dos atos de Getúlio Vargas. Olga Benário, esposa de Luís Carlos Prestes, todos sabem o que sucedeu com ela. Mas, quando Prestes sai da cadeia, vai apoiar Getúlio Vargas na sua eleição para Presidente da República. São fatos que o homem comum não pode entender, mas nós entendemos e achamos que era normal, porque não se misturava a questão pessoal com a questão política, embora, subjacentemente, as coisas não puderam ser indissolúveis. Então, há tudo isso. Na segunda fase de Vargas, a convivência dele com os comunistas foi mais tolerante, e não se pode esquecer a campanha do “Petróleo é nosso”. A própria ida do Corpo Expedicionário à Europa para lutar na Segunda Grande Guerra foi instigada pelos comunistas, e outras campanhas também, mas principalmente essas duas - a Força Expedicionária Brasileira e a campanha do “Petróleo é nosso”, que redundou na Petrobrás e que foi o toque final do suicídio de Getúlio por razões mais amplas - é que determinaram essa nossa convivência, essa dicotomia de ódio e amor. Se para nós Getúlio foi um paradigma da defesa do nacionalismo brasileiro, no bom sentido, por outro lado, ele produziu resultados devastadores no processo ditatorial e autoritário. Então, é uma história a ser contada, e eu deixo parte dessa história para a Profa. Núncia, para que ela nos diga, melhormente, aquilo que ela entende como significado de Getúlio Vargas no processo histórico, principalmente deste século na vida brasileira.

Eu agradeço aos promotores da homenagem, e não podemos deixar de nos associar a ela porque, querendo ou não, gostando ou não, nós temos que aceitar os fatos como eles foram e como eles serão. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: O Ver. João Dib está com a palavra em nome das Bancadas do PPR e PFL.

 

O SR. JOÃO DIB: Sr. Presidente, Ver. Airto Ferronato. (Saúda os demais componentes da Mesa.) Realmente, é difícil falar sobre Getúlio Vargas. Tem razão o Ver. Lauro Hagemann quando diz: “A história há de passar, os anos passarão, até que haverá uma definição completa sobre essa personalidade extraordinária que foi Getúlio Vargas”. Eu sou getulista; então, talvez, eu seja dificilmente imparcial. Mas há algumas coisas que - podem passar os anos - a história há de confirmar sempre. Getúlio Vargas foi um estadista no momento em que o mundo tinha estadistas. Hoje o mundo não tem estadistas. Não é o Brasil que não tem estadistas; é o mundo que não tem.

Vejam as pessoas que têm responsabilidade sobre a vida de todos nós. Os enganos, os equívocos que cometem dia a dia, e estamos subordinados a eles. Com o passar dos anos ninguém há de dizer que Getúlio não foi um homem que amou profundamente a sua Pátria; passarão os anos e ninguém dirá que Getúlio não amou profundamente o trabalho. Quando subimos as escadas da Prefeitura, lá está em letras douradas: “O trabalho é o maior fator de elevação da dignidade humana”. E é verdade. Foi Getúlio quem disse, porque Getúlio gostava do trabalho. E, quando Getúlio veio a Porto Alegre, numa solenidade na Faculdade de Medicina, dizia: “É preciso trabalhar. Trabalhar com dignidade. Trabalhar com abnegação. Trabalhar como as abelhas que fabricam o mel, não para si, mas para a colméia”.

Então, ninguém poderá dizer que Getúlio não foi um homem preocupado com o povo brasileiro, com o seu povo. Ele sabia que cada homem público tinha que dar o melhor de si para realizar o bem comum. Mas as revoluções, realmente, não são as coisas mais fáceis. Nesta semana, um projeto seria discutido aqui - não foi -, e eu busquei uma frase sobre revolução. Diz: “A revolução não é um banquete festivo nem a criação de uma obra literária, nem o esboçar de um quadro, nem de um bordado. Não pode ser tão requintada, tão leve, tão educada, tão terna, gentil, cortês e generosa. A revolução é um levante, um ato de violência pelo que uma classe derruba outra” - Mao Tsé-Tung. Quando as revoluções são feitas por outras correntes, elas podem ter outros sentidos, mas aqui foi a esquerda que fez a revolução, e valeu. Como definição de Mao Tsé-Tung, e é verdade, a revolução é isso. Mas Getúlio era mais do que tudo o que pudéssemos imaginar em matéria de amor à sua Pátria, porque vai passar o tempo e eles vão continuar dizendo que foi um político honesto; vai passar o tempo e eles terão que dizer: “foi um homem respeitável”; vai passar o tempo e terão que dizer: “é um exemplo a ser seguido”. Isto é extremamente importante. Vai passar o tempo e o estadista era um homem que tinha uma visão extraordinária, que dizia os caminhos que nós deveríamos seguir, caminhos que hoje estão sendo seguidos. Eu só gostaria de ver Getúlio Vargas com todas as facilidades de comunicação que temos hoje para, então, dizer: “Que grande estadista, que grande homem público!” Quantas coisas maravilhosas aconteceriam nesta terra, o quanto ele poderia fiscalizar, porque tudo era mais difícil no seu tempo, e hoje tudo é mais fácil. Está acontecendo a 10.000 km e no mesmo instante o Presidente da República está assistindo, está vendo os detalhes, está sabendo, através de todos os mecanismos que estão colocados à disposição, tudo o que está ocorrendo. E eu queria Getúlio com tudo isso para que este País fosse realmente grande como cada um de nós queremos que ele seja grande.

Não vou ler pela primeira vez nesta tribuna o que vou ler agora. Foi Assis Chateaubriand que fez, quando tomou posse na Academia Brasileira de Letras, em 27 de setembro de 1955 - portanto, há trinta e nove anos. Ele se expressou sobre a figura extraordinária de Vargas, dizendo assim: “Vargas, poderá se dizer que foi o espongiário magnífico deste oceano humano que é o Brasil. Ele era o guasca, o campeiro, o caipira, o tabaréu, o matuto, o jeca, o sertanejo, o farroupilha, o favelado, o charrua, o tamoio, o guarani, o capixaba, o caeté, o tupinambá, o tabajara, o tupiniquim, o timbira, o marrueiro, o homem branco, o negro, o amarelo, nas infinitas nuances de todas essas cores; a música de nossos rios, o barulho das nossas cachoeiras, alegria das nossas madrugadas; a graça de um mês de maio nas campinas verdes do Rio Grande; o sorriso das nossas crianças; o uivar do minuano na coxilha; o coruscar das estrelas nesse céu tropical. Que deslumbrante aquarela do Brasil! Que força elementar da vida! Não era um fragmento da nossa natureza, porque era toda ela. Os medíocres, charlatães que já o estudaram, não enxergaram o segredo de sua imensidade: Vargas era ele e todos os seus contrários. A sua prodigiosa glória é de haver tantas vezes sacudido esse cadáver obediente que é o Brasil. Ele não falava para o povo: oficiava como um sacerdote.”

Vargas foi o político - agora digo eu - que amou e trabalhou por este País como todos os políticos deveriam fazê-lo; Vargas foi o brasileiro que respeitou e procurou engrandecer o Brasil, como todos nós deveríamos fazê-lo; Vargas foi o brasileiro exemplo; Vargas é a figura que nos falta. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Queremos registrar também a presença do Ver. Clovis Ilgenfritz. O Jornalista Firmino Cardoso está com a palavra.

 

O SR. FIRMINO CARDOSO: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Peço vênia para, nesta hora em que se homenageia a memória de Getúlio Vargas, repetir aqui palavras textuais do então Senador Getúlio Vargas, quando eleito, lá pelos idos de 1951, quando ele transitou por Porto Alegre para ir ao Rio de Janeiro receber o diploma de Senador da República. Disse ele: “Trabalhadores rio-grandenses” - foi no Theatro São Pedro; as palavras “trabalhadores do Brasil” e “rio-grandenses” ele usava muito, eu me recordo - “para alguém como eu, que governou o Brasil durante quinze anos, o Poder não tem fascinações e a política não tem mais ilusões. Os males do Brasil de hoje são atribuídos pelos meus inimigos à malfadada ditadura. Mas, rio-grandenses, malfadada ditadura que deu ao Brasil a Usina de Volta Redonda; malfadada ditadura que criou uma legislação social, com repercussões em todo o mundo; malfadada ditadura que abriu estradas no Brasil de norte a sul”. E por aí adiante. São palavras que eu conservo na memória até hoje porque tive a ventura de estar no Theatro São Pedro, lá naquelas galerias do alto, pois o teatro estava superlotado. Eram essas as palavras textuais do Senador, que eu gostaria de transmitir aqui no dia em que se homenageia a memória desse grande brasileiro. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Vamos conceder a palavra à Profa. Núncia Constantino.

 

A SRA. NÚNCIA CONSTANTINO: Ver. Airto Ferronato, que preside esta Sessão Solene, Srs. Vereadores, especialmente aqueles cujos pronunciamentos encantaram pelas ricas e perfeitas sínteses históricas apresentadas. Prezados Senhores e Senhoras.

(Lê.)

“Realmente me honra este convite para proferir uma palestra por ocasião da passagem do 40º aniversário da morte do Presidente Getúlio Vargas. Essa honra não se deve só ao fato de falar na Casa do Povo da Cidade de Porto Alegre, que é a nossa Cidade, mas também porque, no ano passado, em situação semelhante, na ocasião em que se comemorava o mesmo evento, eu proferi uma palestra. O fato de ter recebido um novo convite demostra que a minha colaboração anterior foi uma colaboração bem aceita. Trata-se, portanto, a minha, de uma modesta colaboração, a colaboração da professora que procura veicular o conhecimento histórico. E o que vou fazer aqui é acrescentar algumas idéias àquelas que já foram tão brilhantemente expostas.

Pretendo veicular um pouco do conhecimento histórico, e eu lembro que é só através desse conhecimento que se consegue construir uma identidade, sendo a memória o pressuposto fundamental a essa identidade. Eu lembro, da mesma forma, que a consciência do presente surge a partir do conhecimento do nosso processo histórico; de outra forma, não surge.

Durante longo tempo, a história foi concebida apenas para manter viva a recordação de acontecimentos memoráveis. Era a história crônica. Esses acontecimentos seguiam critérios que variavam nas diferentes formações culturais. Quase desde o princípio, também, a história foi vista como uma coleção de fatos exemplares e de situações paradigmáticas, cuja compreensão prepararia os homens para a vida coletiva. Daí a solicitar a história, essa antiga tendência que solicita a história, e que guia a nossa ação. Mas, desde o final do século passado, deixou-se de crer que a história proporcionava ensino, que proporcionava lições de imediato proveito para indivíduos e para as sociedades, porque as condições em que se produzem os atos humanos são raras vezes suficientemente semelhantes para que as lições de história possam ser aplicadas diretamente. Novas percepções surgiram, novas e profundas intuições se impuseram, a partir dos anos 30, atribuindo à história um ‘status’ muito mais significativo. A função social da história hoje significa organizar o passado a partir de um presente, e a função teórica é explicar o movimento anterior da sociedade. Substituiu-se, então, a galeria dos homens célebres, das figuras impolutas, dos caráteres sem jaça, naquele velho jargão positivista. Substituiu-se, também, a grande síntese histórica alicerçada no pensamento marxista, que apontava para uma massa ou para uma multidão sem rosto. A história encontra-se hoje direcionada para o social, com ênfase no cotidiano, nas mentalidades predominantes do passado. Buscam-se hoje, também, os excluídos e as pessoas comuns como sujeitos da história. As biografias laudatórias passaram de moda, e as atuais histórias de vida buscam a idéia de processo onde o indivíduo atua no seu meio e recebe influências do mesmo. Alguns homens destacam-se dos grupos humanos e, por uma razão ou outra, tornam-se líderes. Getúlio Vargas foi líder e isso é incontestável. Seu pensamento e ações representam a síntese da mentalidade predominante à sua época, ou melhor, às suas épocas, porque o governante máximo atuou no centro do palco político brasileiro em diferentes e até antagônicos cenários. Não compete ao historiador julgar as ações do homem; ele precisa compreendê-las e, para tanto, é preciso desenhar ‘brasis’ diferentes em que atuou Vargas através do tempo. Em outras palavras, a trajetória de Vargas reflete a história do Brasil republicano no primeiro século de existência da República. Assinala-se, portanto, o 40º aniversário da morte de Vargas. Em 24 de agosto de 1954, o Presidente cometeu suicídio. Em poucas palavras, costumamos lembrar o que aconteceu naquele dia. Depois de uma reunião com assessores, no Palácio do Catete, o Presidente escreveu uma carta-testamento e deu fim à própria vida. A reação popular, como todos nós sabemos, foi imediata; estendeu-se por todo o País. O principal alvo da revolta popular foi o Jornalista Carlos de Lacerda, que precisou, em seguida, buscar asilo no Exterior. A sede do seu jornal foi atacada, apesar do forte esquema de proteção policial. Centenas de sedes de jornais que fizeram campanha antigetulista foram apedrejadas, ou mesmo incendiadas, como foi o caso do ‘Diário de Notícias’ aqui, em Porto Alegre. O contingente precisou proteger a sede da Embaixada norte-americana, e uma imensa multidão, talvez nunca mais vista, acompanhou o funeral do Presidente ameaçando atacar as instalações da Aeronáutica, que ele mesmo havia criado como arma militar independente. Os soldados da Força Aérea, como sabemos, abriram fogo contra a multidão; houve centenas de feridos e notícias de mortes naquela chamada Batalha do Aeroporto Santos Dumont, quando o corpo do Presidente embarcava para São Borja. Era uma forma que as massas escolhiam para demostrar que não fora pequeno o legado de Vargas.

O suicídio, segundo Tancredo, foi um ato de sabedoria política: garantiu a vitória de Juscelino, projetou Jango, fez a vitória de Jânio, que soube, como pouquíssimos, explorar a mensagem de Getúlio. O suicídio também adiou, por uma década, a implantação da ditadura militar no Brasil. Através dele, os opositores foram obrigados a perceber que Getúlio ganhava uma última batalha: justamente a batalha que pusera em risco o prestígio e a reputação do homem público. A UDN, partido que movera permanente e decisiva campanha contra Vargas, perdeu completamente a chance de alcançar o poder maior; nunca mais o alcançou. Para impô-1o, como sabemos, foi à rua, cometeu violência. Na face deste povo estava estampado o desespero pela perda diluída, que conduzia a Nação à modernidade e que alcançava esperança.

O conhecimento do processo histórico brasileiro, na primeira metade do século XX, está a demonstrar que o povo teve consciência de uma grande perda. Já foi dito que a história de Getúlio confunde-se com a história do Brasil republicano. Pouco mais de seis anos tinha o menino Getúlio quando deve ter ouvido as notícias de que se extinguia a Monarquia e de que o Imperador era exilado. Seu pai, Manoel do Nascimento Vargas, era um dos republicanos de São Borja e, em seguida, partiu em defesa do chefe Júlio de Castilhos, desafiado pelos maragatos ou federalistas.

No fim da Revolução de 1893, Getúlio foi enviado a Ouro Preto para estudar. Pouco demorou na antiga Capital mineira e, com dezesseis anos incompletos, alistou-se como soldado no 6º Batalhão de Infantaria para, justamente, adquirir o direito de cursar a Escola Militar. Matriculou-se na Escola Preparatória de Rio Pardo em 1899, mas, por medida disciplinar, foi da mesma afastado ao solidarizar-se com cadetes contra o instrutor. Em Porto Alegre serve como sargento e trata de ingressar na Faculdade de Direito. Esse projeto foi alterado quando seguiu para o Mato Grosso, pois se agravara a tensão entre o Brasil e a Bolívia, como resultado da chamada ‘Questão do Acre’. Com vinte anos encontra-se cursando a Faculdade de Direito, em Porto Alegre, e colabora com o jornal ‘O Debate’, de orientação castilhista. Grandes transformações ocorriam nessa virada de século. Além da implantação do regime republicano, substituía-se a mão-de-obra escrava pelo trabalhador livre e assalariado que, entretanto, enfrentava penosas condições. A jornada de trabalho variava de dez a quatorze horas, e em 1907 registram-se amplos movimentos grevistas, reprimidos de forma violenta. De um modo geral, o operariado fabril e urbano não tinha descanso semanal remunerado, nem direito a férias ou tratamento de saúde; também não tinha direito à aposentadoria. Até o final do século XIX eram pouquíssimas as fábricas no Brasil, dispersas por todo o território, e o setor têxtil era o mais representativo. Desenvolviam-se manufaturas. Nós estávamos muito longe da industrialização. A política econômica do ‘encilhamento’, colocada em prática nos primeiros anos da República, visava a incentivar o desenvolvimento industrial, mas fracassara, gerando a especulação desenfreada. Com menos de uma década, o País republicano reingressava no ritmo tradicional da economia agrária, cujos produtos eram destinados à exportação. O crescente progresso da lavoura cafeeira e o surto da borracha estimularam o recuo nesse processo de industrialização. Recuou-se, mais uma vez, para o ritmo da grande fazenda, dos senhores, dos peões e capatazes. Instaurava-se ‘república do café com leite’: São Paulo e Minas decidiam e conduziam os destinos do Brasil. Getúlio tornou-se Bacharel em Direito. Por alguns meses, fora Promotor em Porto Alegre, mas logo se demitiu, retornou a São Borja, lá advogando. Em 1909 volta à Capital como Deputado. Continuava fiel ao ‘castilhismo’, e a influência do líder morto do Partido Republicano Rio-Grandense marcaria, sem dúvida, sua mentalidade e atividades políticas.

Não é possível imaginar Getúlio desligado de suas raízes, que são influenciadas pelo positivismo comteano, inspirador do conceito de ordem e progresso e do ideal de incorporação do proletariado à sociedade.

Casara em 1911 com Dona Darcy Sarmain. Quando Borges de Medeiros foi reempossado no Governo em 1913 recebeu de Getúlio a saudação. Novamente como Deputado Estadual. Pouco depois, a política rio-grandense perderia a sua figura de projeção nacional, o Vice-Presidente do Senado, Pinheiro Machado, assassinado por conterrâneo no Rio de Janeiro em 1915. Era um espaço aberto e o Rio Grande deveria ocupá-lo.

Quando Getúlio retornou à Assembléia dois anos mais tarde, o Brasil já havia declarado guerra à Alemanha. No mesmo ano caía a monarquia russa e se pensava livre; o empresariado se assustava porque pensava livre os caminhos para a Revolução Comunista.

Sem dúvida, a Guerra de 1914 a 1918 fora um momento muitíssimo importante na história econômica do Brasil. Prejudicou o setor cafeeiro, provocando a baixa das exportações, e fez com que o Governo realizasse operações valorizatórias do produto, quando no mínimo discutíveis e prejudiciais à sociedade como um todo. Por outro lado, essa Guerra ajudou o progresso industrial, pois diminuiu a nossa capacidade de exportar, quer por retração do mercado internacional, quer porque a queda nas exportações de café acarretava diminuição de rendas disponíveis. Até 1914, ano que começou a Guerra, a indústria nacional atendia, em média, menos de 5% das necessidades de consumo. Entre 1915 e 1919, surgiram quase seis mil empresas industriais e o valor da produção dobrou. A classe operária ultrapassou a casa dos duzentos mil indivíduos, número considerável quando a população em geral era de dezoito milhões. Estava alterado o quadro social.

A classe dominante continuava a ser a dos grandes proprietários, cafeicultores, formados, organizados em oligarquias de características capitalistas. Em nível regional a figura dominante era do latifundiário tradicional, cuja feição era pré-capitalista. Nas cidades maiores, certas parcelas do setor médio tinham autonomia em face dos latifúndios. A parte mais alta da camada média incluía os burocratas, os profissionais liberais, pequenos comerciantes, incipientes industriais. Eram justamente esses setores que estavam a reivindicar transformações políticas na sociedade brasileira. Permanecia a massa de trabalhadores rurais, com o mínimo de latifundiários, não tendo acesso à educação, votando em aberto de acordo com o grande proprietário. Crescera muito o proletariado industrial, graças, sobretudo, ao processo migratório, mas também em conseqüência do grande êxodo rural derivado da crise na produção da borracha e da grande seca nordestina de 1915. O crescimento industrial durante a Primeira Guerra fez com que o operariado aumentasse e se tornasse instrumento de pressão no sentido de alcançar melhoria social. O Governo, tradicionalmente, não intervinha nas relações de trabalho. Estas eram as mais injustas, e, em nome de um liberalismo vigente nos governos da Primeira República, apenas fiscalizava a manutenção da propriedade privada, considerando os conflitos sociais e as reivindicações do movimento operário como questão de polícia.

As grandes transformações que se verificaram no pós-guerra repercutem no Rio Grande do Sul, e a Revolução de 23 é o indicador do grave momento histórico do País, quando a oposição já não era constituída apenas de maragatos, mas de dissidentes do borgismo e de representantes dos segmentos emergentes, que desejavam uma parcela do poder político. O Pacto de Pedras Altas afastava do poder o velho líder Borges, abrindo mais um espaço para Getúlio Vargas, que se encontrava como representante do Rio Grande na Câmara Federal. Era, então, Artur Bernardes o Presidente do País, dando continuidade à política do ‘café com leite’, governando em meio a muitas revoltas.

Além da Revolução de 23, que tomou conta do Rio Grande, em São Paulo dá-se a rebelião chefiada por Isidoro Dias Lopes contra o Governo de Bernardes. Derrotados, os revoltosos de 24 unem-se com os rebeldes do Sul, sob o comando de Juarez Távora e Luís Carlos Prestes, e está formada a Coluna Prestes, que percorreu aquele longo itinerário pelo Brasil. Mas a rebelião também se manifestava fora das milícias, fora dos quartéis. No mesmo ano em que se deu o Levante do Forte de Copacabana, marco do Movimento Tenentista, desenvolvia-se a Semana de Arte Moderna, como claro indício de que o País mudava. O Tenentismo era uma bandeira a serviço da causa de renovação das viciadas estruturas nacionais.

Na Semana de Arte Moderna, um grupo de elite, culto e politizado, atualizado com as produções artísticas do Velho Mundo, procurava adaptar a renovação que se verificava na Europa para o Brasil. Chamava a atenção do País esse movimento justamente pelo choque que produzia. Seus mentores pretendiam eliminar o anacronismo da cultura brasileira, e seu movimento equivale ao Tenentismo. Os novos segmentos da sociedade, as novas categorias sociais emergentes manifestavam, inclusive através desses movimentos, o desejo de mudança.

Os fatores econômicos contribuíram decididamente para a revolução que estava por vir. Há muito, grandes safras de café provocavam sucessivas crises. O golpe de misericórdia na economia brasileira sobreveio com a queda da Bolsa de Nova Iorque, em 29. O nosso principal comprador, os Estados Unidos da América, declarava uma bancarrota. Ademais, nossa indústria arrastava-se sem competitividade com os mercados europeus que se haviam reorganizado no pós-guerra. A Revolução de 30 estava sendo articulada. Já tinha até um mártir, pois fora assassinado João Pessoa, Governador da Paraíba, isso em julho de 1930, companheiro de chapa de Getúlio Vargas na malograda eleição para a Presidência da República, candidatos que eram pela Aliança Liberal. A habilidade política de Vargas patrocinou a formação dessa mesma Aliança Liberal que reuniu representantes de vários e por vezes antagônicos setores da política brasileira, que só tinham em comum a inconformidade com o sistema. Foi a Aliança Liberal que tornou possível a Revolução de outubro de 1930. Feita a Revolução, sob a liderança maior de Vargas, surge um novo tipo de Estado, fora do controle das antigas oligarquias. Surge o Estado que deveria considerar novos anseios e necessidades que se manifestavam na sociedade, cujas estruturas haviam se tornado bem mais complexas e diversificadas. Com o declínio das antigas oligarquias, o Estado então assumia a posição de árbitro e o desenvolvimento industrial traria maior concentração às cidades, que passam a irradiar poder político. O povo, que antes era apenas concepção jurídica, com a atuação praticamente nula, depois de 30 passa a ser componente da vida política, ainda que sob a direção do Estado.

Vargas assumiu os poderes, aboliu a Constituição de 1891, dissolveu o Legislativo, cassou os mandatos de deputados e senadores, derrotou o movimento revolucionário paulista de 32. O carisma pessoal e os grandes temores que havia à época favoreciam a sua autoridade. Novas elites pediam a ordem que estabeleceria a disciplina. Grupos economicamente poderosos desejavam pôr fim a rebeliões. Apareciam regimes ditatoriais. Esses regimes, como é o caso da Alemanha, Portugal, Itália, mantinham a ordem e ensejavam alguma prosperidade econômica. Após, ela seria experimentada no Brasil, como endosso, inclusive, para o operariado, a quem Vargas beneficiara com um conjunto de leis sociais promulgadas depois. Sem dúvida, esse projeto de incorporação estava em andamento e coube ao Estado organizar e controlar o mercado da força de trabalho, dinamizando os mecanismos de acumulação de capital. Getúlio expediu leis que impediram, estabeleceu o salário mínimo, oito horas diárias de trabalho, descanso semanal remunerado, férias, aposentadoria. Mesmo que feita de cima para baixo, é a legislação que regulou as relações entre capital e trabalho até o dia de hoje e que, juntamente com a legislação mexicana, foi considerada a mais organizada da América. Daí por que os protestos contra a implantação do Estado Novo de 37 foram poucos, assim mesmo abafados por uma censura que se sabe que existia e era imposta de modo draconiano. Governadores que resistiam era destituídos, como sabemos. Mesmo no Estado Novo, inúmeras medidas tomadas trouxeram benefícios e atenderam necessidades antigas. Reformas na burocracia de Estado foram incrementadas. Surgiu o Ministério da Aeronáutica de uma nova força independente que foi instituída do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, no SENAI. Ampliou-se a rede ferroviária e rodoviária e desmembrou-se o imenso território em vários territórios, como é o caso de Fernando de Noronha, Amapá, Rondônia. Foi estabelecida a Faculdade Nacional de Filosofia e foram reformadas as instituições de ensino militar, como Agulhas Negras, cujo complexo foi unificar o Estado do Rio de Janeiro e Resende. A reforma jurídica foi implementada com a promulgação de novos códigos, como a da Propriedade Industrial, do Processo Civil e do Código Penal. Construía-se o arcabouço do Estado que ainda hoje nos serve - pelo menos foi pensado para nos servir. Foi grande o desenvolvimento comercial interno entre 1930 e 1937. As importações caíram 23%. Enquanto durou a Segunda Guerra, o comércio continuou a crescer devido à paralisação quase total das comunicações internacionais. O desenvolvimento industrial interno favoreceu o crescimento da atividade comercial e também, para isso, contribuiu o aumento do mercado consumidor interno. Durante os quinze anos do Governo Vargas, isto é, entre 1930 e 1945, a economia brasileira teve progressos marcantes e a intervenção do governo na mesma economia, seguindo uma tendência mundial da época, manifestou-se na criação de institutos, como o do açúcar e do álcool, do mate e do pinho. A produção algodoeira aumentou sensivelmente, incentivada por recursos federais, e a Previdência Social foi organizada de modo a hoje nos causar saudade. O que é curioso é que, num governo altamente centralizado, a Previdência é descentralizada e com autogestão. As pressões a favor da industrialização partiram dos militares. Eles queriam se equipar e acreditar que a industrialização e a autonomia eram uma estratégica para a segurança nacional. A crise de 29 havia favorecido a mesma indústria na medida que essa recebeu uma injeção de capitais provenientes da cafeicultura. A infra-estrutura, portanto, estava sendo montada pelo governo. É obra de Vargas a instalação no País da siderurgia, com a construção de Paulo Afonso e a fundação da Companhia Vale do Rio Doce. A maior realização, nós sabemos, foi o estabelecimento de Volta Redonda, que permitiu a independência do mercado externo para o fornecimento de produtos de aço e que forneceu e fornece matéria-prima para a indústria. Para o escoamento da produção entre 1931 e 1934 foi organizado o plano central de viação, que se transformou, em 1937, no Departamento Nacional de Estradas e Rodagem, hoje principal órgão a prestar serviços.

É consenso que o primeiro Governo de Vargas fez com que o Brasil ingressasse no século XX. Foi marco de modernização do País. A deposição do ditador Vargas pela ação do Exército não diminuiu o prestígio do político Vargas. A base da popularidade alcançada também não seria dissolvida durante o Governo de Dutra. Vargas retorna ao cenário político como candidato à Presidência. Acabou com todas as forças políticas organizadas contra a sua eleição e assume, novamente, o poder em 1951. Ganhava as eleições com o voto dos trabalhadores, reconhecido pelos benefícios recebidos da legislação social, mas tivera que fazer concessões a forças reacionárias para obter a estabilidade política. Assim, atendendo às regras do jogo político, não colocou no Ministério nenhum nome de expressão popular, a princípio procurando alianças com partidos políticos que poderiam dar apoio no Parlamento, que era dominado pelo PSD e pela UDN. Desapareciam as grandes lideranças do PTB, partido que sustentava o Governo. Morrera Salgado Filho e afastara-se, gravemente enfermo, o líder Alberto Pasqualini. Isolado, sem identificação com a sua equipe de governo, busca a reforma ministerial em 1953; instala Jango na pasta do Trabalho e Oswaldo Aranha no Ministério das Finanças. O conflito com o empresariado desenvolve-se, quando foram alterados os índices para o cálculo do salário mínimo. Atendendo a pressões, retira Jango do Ministério, perdendo parte do apoio dos trabalhadores, que entendiam perdida a sua representação. Ademais, regulamentou-se a lei de remessa de lucros para o estrangeiro, gerando reação na comunidade econômica internacional. A pressão norte-americana fez-se através da Agência Central de Inteligência, que proporcionou uma ajuda na condução das diligências e inquéritos militares, agindo em consonância com militares de oposição. A posse do republicano Eisenhower na Presidência dos Estados Unidos em 1953 trouxe para o Governo Norte-Americano Nélson Rockefeller e Jorge (?), empresários diretamente ligados a negócios de petróleo e manganês no Brasil. Prenunciavam-se problemas ainda maiores para o Governo Vargas, que já sofria o recrudescimento das nossas questões internas. Há necessidade urgente de mudanças de orientação econômica, aplicando um programa antiinflacionário, porque até aí a inflação aparecia, que até então fora programa desnecessário, e preocupava a Presidência da República. Vargas precisava aplicar medidas e, ao mesmo tempo, temia que as mesmas significassem um afastamento entre o Governo e o operariado, que, nesse momento, era organizado, consciente e pronto a rejeitar qualquer programa que resultasse na perda do poder aquisitivo. As greves se multiplicaram em todo o País, enquanto a campanha nacionalista pelo estabelecimento do monopólio estatal do petróleo continuava extremamente ativa. O projeto da criação da Petrobrás tramitava no Congresso, ameaçando os grupos da Stander Oil, controlada pelo grupo Rockfeller e firmemente organizada no Brasil. O projeto, exaustivamente debatido, foi aprovado depois de muito modificado no Congresso Nacional, e sancionado pelo Presidente em 3 de outubro de 1953. Mas a vitória do nacionalismo não significou alívio para as sanções. A sucessão dos acontecimentos demonstrou que Getúlio não mais conseguia levar avante uma política de conciliação entre os grupos divergentes. Era preciso levar avante o programa antiinflacionário, penoso e popular. E a conspiração e o descontentamento grassaram os quartéis. O inquérito em torno das concessões de empréstimos feitas ao jornal ‘Última Hora’ por si só não teria abalado o Governo Vargas, como nem mesmo aconteceria com a violenta campanha de Lacerda. O acontecimento da Rua Toneleros acabaria, inclusive, por beneficiar a oposição que, finalmente, fazia seu mártir, o Major Rubens Vaz. Em meio às denúncias de corrupção e crime de assassinato, Vargas manteve-se nas regras dos jogos democráticos. Ele, que continuava sendo apontado como ditador, tinha condições de reagir, rompendo essas mesmas regras. A Vila Militar continuava dando o seu apoio ao Presidente. Foi, inclusive, sugerida a decretação do Estado de Sítio, mas ele não repetiu a ditadura, ainda que durante toda a sua vida trabalhasse numa concepção de Estado feita à imagem e à semelhança do seu chefe.

Encontraram nos anos 50 uma Nação com instituições democráticas que soube adaptar-se aos tempos, como sempre o fizera, às vezes, até com antecipação. Foi nacionalista convicto para criar a Petrobrás, mas projetou a mesma sem impedir a entrada de capitais estrangeiros e sem fazer a campanha de monopólio. Quando foi necessário, chegou mesmo a suspender a lei que limitava a remessa de lucros para o estrangeiro e tomou medidas para atrair capitais de fora. Foi trabalhista na medida em que acreditou no possível congraçamento entre capital e trabalho. Foi homem de circunstâncias, que tirou proveito de oportunidades e que cooptou adversários. Não foi radical, quando à força costumava manter o poder. Manteve constâncias no pensamento e na ação. Sempre entendeu a unidade nacional como resultado da centralização administrativa. Colocou a questão nacional à frente dos regionalismos; promoveu as reformas necessárias, prevendo, como disse, os problemas por antecipação. Tornou-se democrata, acompanhando as tendências que se impunham no pós-guerra. Seus opositores, como Afonso Arinos, apontam a excepcionalidade de Getúlio. Registra o líder udenista que Getúlio foi um homem silencioso num País de oradores; frio e distante num meio em que se valorizam os emotivos. Não correspondeu ao que o País tem de superficial, mas ao que tem de profundo. Polido, distante, habilíssimo articulador, capaz de promover e incentivar transformações, e um modernizador, pois a modernidade, queiramos ou não, inclui a indústria. Homem honesto, sobretudo, acreditou na potencialidade da Nação brasileira, a quem legou o seu projeto de vida. Vocacionado, carismático aquele grande homem e, em muitas coisas, pequeno homem.

Torna-se necessário reavaliar o legado de Vargas sob novas percepções: as percepções do nosso presente. A primeira delas já foi muito bem apontada pelos que me antecederam: houve vários Getúlios, dando diversas e inteligentes respostas em diferentes contextos, mas sempre manteve permanente a tentativa de governar com consenso. Avançou, na medida em que demonstrava sensibilidade para as questões relativas ao trabalho, à industrialização, ao aparelhamento do País, à racionalização do Estado, à cultura e à educação. Pudéssemos nós apontar nos líderes do presente o interesse na construção de um Estado a serviço de uma Nação como pretendeu Vargas! O Presidente fez da morte um ato político, uma continuação daquilo que fizera durante toda a vida. A sua morte repercute, ainda hoje, na evolução da política brasileira. Ele escreveu que ‘saía da vida para entrar na história’. Pode-se afirmar que ele saiu da vida para permanecer na história, pois nossa história foi e é, em grande parte, resultado da sua condução.” Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Senhoras e senhores, a Câmara Municipal de Porto Alegre amanhã pela manhã, às 9h30min, promoverá uma homenagem ao Presidente Vargas junto à Carta Testamento, na Praça da Alfândega. Convidamos todos os senhores e as senhoras para se fazerem presentes nesse ato.

Queremos registrar e agradecer a presença de todos, especialmente a presença do Dr. Firmino e da Profa. Núncia Constantino, que gentilmente veio a esta Casa nos trazer essa brilhante aula sobre a vida do nosso homenageado.

Encerramos a Sessão e convidamos os Srs. Vereadores para uma Sessão Solene às 19 horas.

 

(Encerra-se a Sessão às 17h55min.)

 

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